Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Nem Deus nem o diabo são candidatos

É falsa a afirmação de que, nas eleições deste ano, o eleitor terá de decidir entre Lula e Bolsonaro. Trata-se de manipulação asfixiante e rigorosamente antidemocrática

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Por Notas&Informações
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Diante do descalabro do governo de Jair Bolsonaro, parece evidente a necessidade de que as eleições do segundo semestre sirvam para interromper o retrocesso e a destruição a que o País vem sendo submetido desde 2019 pelo bolsonarismo. Trata-se de imperativo civilizatório mínimo. Jair Bolsonaro mostrou-se indigno e incapaz do cargo que lhe foi atribuído em 2018.

Mas o desempenho sofrível de Bolsonaro na Presidência da República não leva apenas a rejeitar o bolsonarismo nas urnas. Isso seria pouco. A experiência com o governo atual explicita, com poderosa contundência, a necessidade de que a campanha eleitoral esteja centrada em ideias e propostas políticas, e não apenas em nomes. Essa é a melhor proteção contra a farsa bolsonarista.

Deve-se destacar, ao mesmo tempo, que esse tema transcende as circunstâncias políticas atuais, tendo raízes na própria essência do regime democrático. Não há pleno exercício dos direitos políticos se o eleitor faz na urna mera opção por nomes. Não há plena cidadania se o voto é tão somente uma avaliação sobre o passado. O direito ao voto inclui a possibilidade de escolha sobre o futuro do País. Daí a importância de haver – sempre, mas especialmente em ano eleitoral – uma genuína e ampla discussão a respeito dos diagnósticos e soluções possíveis para os problemas nacionais. Fugir desse debate é ludibriar, de partida, o eleitor.

Por óbvio, ninguém tem o descaramento de negar explicitamente a conveniência de discutir, numa eleição, o futuro do País. A manipulação é um pouco mais sutil, mas igualmente nefasta. Por exemplo, é cada vez mais comum ouvir que, nas eleições deste ano, o eleitor terá de decidir entre Lula e Bolsonaro. Essa afirmação, que pode soar a alguns ouvidos como realista – afinal, são os nomes que aparecem nas primeiras posições das atuais pesquisas de intenção de voto –, é inteiramente equivocada. Vigora no Brasil o sistema do pluripartidarismo e se pode afirmar, com toda a certeza, que haverá outros candidatos disputando a Presidência da República em outubro deste ano. Além disso, o primeiro turno das eleições ainda está muito distante.

A falsa disjuntiva entre Lula e Bolsonaro tem um só objetivo: desqualificar e impedir o debate de propostas e ideias políticas sobre o futuro do País. Trata-se de manipulação asfixiante e rigorosamente antidemocrática.

Como esperado, o PT se empenha em fazer com que o eleitor acredite que inexistem alternativas a Lula quando se trata de escolher um candidato capaz de desbancar Bolsonaro. O partido quer encerrar o eleitor desde já numa estreita clausura eleitoral: ou Lula ou Bolsonaro. Ao fazê-lo, o PT se dispensa de apresentar uma discussão madura sobre o futuro do País. Quer impor um binarismo que, a rigor, nem é escolha: é imposição do retrocesso, seja qual for o resultado.

Não é nova a tentativa do PT de desqualificar toda opção política não alinhada ao lulopetismo. Agora, no entanto, a pretensão autoritária tem ganhado contornos escandalosamente explícitos. Em recente reunião da legenda, segundo informou o UOL, Lula disse com todas as letras como se vê – e como deseja colocar o eleitor entre a cruz e a espada. “A humanidade acompanha há séculos a polarização entre Deus e o diabo, e nunca teve terceira via”, disse. Nesses termos apocalípticos, supõe-se que todo aquele que não votar em Lula estará escolhendo o diabo.

Outra tentativa de impedir que o eleitor pondere serenamente a respeito das consequências do seu voto sobre o futuro do País é afirmar que as eleições presidenciais de 2022 são apenas e tão somente um plebiscito sobre a barbárie do governo Bolsonaro. Sob essa lógica, para impedir um segundo mandato de Bolsonaro, valeria a pena votar em qualquer outro candidato. É bom lembrar que foi esse estreito raciocínio, antes aplicado ao lulopetismo, que conduziu Bolsonaro ao Palácio do Planalto. Não convém repetir o erro. Eleições não são mero duelo de nomes. O voto é oportunidade de avaliar o passado e, de forma muito especial, de definir o futuro.